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A Pandemia do Coronavírus (COVID-19) traz um cenário de insegurança que provoca uma série de preocupações sobre os impactos que as medidas de isolamento estão causando nas relações trabalhistas, considerando a paralisação de atividades ou de setores da cadeia produtiva e o consequente afastamento dos empregados de suas atividades laborais.
Como se trata de uma situação denominada como “força maior”, com previsão, inclusive na CLT, as empresas poderão adotar alternativas de emergência para amenizar os impactos.
Para alcançar este objetivo e legitimar essas alternativas o Governo Federal editou a Medida Provisória 927 de 22 de março de 2020, a fim de abrandar os impactos ocasionados pela paralisação ou redução das atividades da empresa até que o estado de calamidade pública em razão da Pandemia do Coronavírus (covid-19) seja encerrado, com o intuito maior de preservar os empregos e a renda.
Dentre essas medidas, pode-se citar o teletrabalho ou home office para aqueles empregados que podem realizar suas atividades à distância, estando o empregador sujeito apenas à notificação prévia de no mínimo 48 horas. Pela redação da Medida Provisória dispensa-se o acordo individual, mas a empresa deverá estipular em contrato, no prazo de 30 dias a contar da alteração contratual, as regras atinentes aquisição ou manutenção dos equipamentos e infraestrutura para a prestação do teletrabalho.
Outra medida é a concessão de férias individuais ao empregado em períodos não inferiores a 5 dias, mesmo com período aquisitivo incompleto, também mediante notificação prévia de 48 horas. Neste caso o pagamento das férias poderá ser realizado até o 5° dia útil do mês subsequente ao início do gozo das férias e o adicional de 1/3 poderá ser quitado até 20/12/2020. Já o abono pecuniário, se solicitado pelo empregado, dependerá da concordância do empregador.
Ficou definido na medida provisória que as férias coletivas poderão ser concedidas, mediante notificação prévia mínima de 48 horas ao conjunto de empregados atingidos pela medida, inexistindo qualquer restrição ao limite e prazo mínimo estabelecido na CLT. A comunicação prévia ao Sindicato da categoria e à Secretaria do Trabalho (Ministério da Economia) também fica dispensada.
A medida provisória prevê ainda que os feriados não religiosos poderão ser antecipados, devendo ocorrer a notificação por escrito ou por meio eletrônico ao conjunto de empregados beneficiados com antecedência de no mínimo 48 horas.
Nos períodos de paralisação ou redução das atividades da empresa, está autorizada a compensação das horas relativas ao afastamento por meio de banco de horas, compensáveis no prazo de 18 meses a partir da cessão do estado de calamidade pública, devendo a compensação respeitar o limite constitucional de 2 horas diárias. O ajuste deverá ocorrer por meio de acordo individual formal ou coletivo com a anuência do sindicato da categoria.
Enquanto durar o período de calamidade pública, está suspensa a realização de exames médicos ocupacionais, clínicos e complementares, que deverão ser realizados em até 60 dias a partir do encerramento do período de isolamento. Os exames demissionais são dispensados se o exame periódico ocorreu em menos de 180 dias.
Fica suspensa ainda, a realização de treinamentos eventuais e periódicos dos atuais empregados, que deverão ser realizados em até 90 dias após o encerramento do estado de calamidade pública ou poderão ser realizados na modalidade de ensino a distância, cabendo ao empregador observar os conteúdos práticos.
Dentre as medidas também está a suspensão da exigibilidade do recolhimento do FGTS com vencimento em abril, maio e junho de 2020, devendo a quitação ocorrer a partir do 7° dia útil a partir de julho.
As medidas acima são exemplificativas, sendo que outras alternativas poderão ser adotadas pelas empresas, tal como, em casos mais drásticos, a redução de jornada de trabalho e da remuneração, conforme prevê expressamente o artigo 503 da CLT: “é lícita, em caso de força maior ou prejuízos devidamente comprovados, a redução geral dos salários dos empregados da empresa, proporcionalmente aos salários de cada um, não podendo, entretanto, ser superior a 25%, respeitado, em qualquer caso, o salário mínimo da região”.
A situação que vivemos diante da pandemia do coronavírus (COVID-19) evidentemente caracteriza “força maior” que segundo o artigo 502 da CLT é “todo acontecimento inevitável em relação à vontade do empregador e para cuja realização não tenha concorrido, direta ou indiretamente”.
Assim, em primeiro momento, pode-se afirmar que é perfeitamente aplicável o artigo 503 da CLT. Contudo, a Constituição de 1988 em seu artigo 7º, inciso VI, assegura como direito de todo trabalhador a irredutibilidade salarial, salvo se por força de norma coletiva houver disposição em contrário.
O que se extrai do artigo constitucional é que toda e qualquer redução da remuneração do empregado deverá obrigatoriamente passar pelo crivo do sindicato da categoria, mesmo neste momento, sob pena de inevitavelmente o ato ser invalidado pela Justiça do Trabalho.
Deixa-se claro que toda e qualquer medida a ser tomada em busca tanto da preservação da saúde dos colaboradores como também da saúde financeira da organização, dependerá de requisitos da legislação a serem obedecidos, a fim de que as alternativas não sejam invalidadas e causem prejuízos maiores futuramente em eventual ação trabalhista ou autuações dos órgãos fiscalizadores do trabalho, como o Ministério Público do Trabalho, por exemplo.